Meu maior medo

Publicado: outubro 26, 2015 por slyfer052 em cronicas
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Algumas pessoas dizem que esse é o momento mais tranquilo de alguém, e confesso que acreditei nessas pessoas por um ano. Que imbecil. Pois hoje quase arranco meus cabelos e me jogo da ponte. Ah, se tivesse uma ponte aqui perto! Já teriam achado meu corpo de terno e gravata amassado ao chão.

Todavia, isso não vem ao caso. O caso é, estou tenso como nunca estive. Não comi nada o dia todo por causa de uma azia que odeia remédios. Enquanto isso, sou obrigado a escutar “parabéns, finalmente, parabéns” por todos os cantos, por todas os conhecidos e desconhecidos. Um flash forte da câmera me cegou por segundos. Não era para ser tranquilo?

Uns tapinhas no rosto ou água gelada não resolvem, acredite eu tentei. Por mais que eu planeje esse momento nada saiu como esperado. Estou a frente de cem pessoas maravilhosamente amadas e queridas, e não faço a menor ideia do que irá acontecer.

Limpei o suor da minha testa com as costas da mão.

Engoli em seco.

Cada segundo parecia um milênio. Todos me encaravam, sorriam e esperavam de mim a mais pura coragem. Será que eu merecia tudo isso? Minha vida toda fui medíocre, nas notas, com a família, com os amigos, no trabalho, nos Hobbies, em tudo. Será que merecia tanta responsabilidade? É preocupante pensar em tudo isso agora, eu sei, e me arrependo muito por isso.

Minhas mãos estavam inquietas.

– Você está bem?

– Tô, sim.

Eu fechei os olhos e idealizei que depois daquele momento toda minha vida iria mudar. Tudo. Toda ela. Respirei fundo, e soltei o ar quente. Mas mudaria para melhor ou para pio…

Esquece, ela chegou de branco linda de mais para ser verdade. Atravessando o centro da igreja com o sorriso de orelha à orelha.

Minha azia passou.

E percebi que existia realmente tranquilidade naquilo tudo.

O cubículo

Publicado: outubro 18, 2015 por slyfer052 em cronicas
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Hoje gritaram comigo. Eu gostaria de gritar com a mesma facilidade mas minha voz não sai, ela fraqueja em relação a raiva, o ódio ou a pura libertação. Eu queria explodir, de verdade. O motor ronca alto parado no engarrafamento, o vira lata rosna, o filho bate, e eu respiro fundo contando até três e bufo.

O ar quente sai de minha boca transformando-se simplesmente em nada.

Coloco as chaves no chaveiro, e já sem meus sapatos abro a porta da sala. O céu está totalmente nublado em uma mistura de tons cinzas com um leve azul escuro da noite. Os trovões festejam. O vento balança a persiana suja. É bela a noite, e só ela me acalma. Aquele cubículo que chamo de varanda nunca esteve tão confortável. E com meus braços sobre o parapeito, eu respiro fundo contanto até três e expiro.

O ar quente sai de minha boca transformando-se simplesmente em tudo.

O meu dia

Publicado: outubro 10, 2015 por slyfer052 em cronicas
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– Se vocês ligarem pra mim mais uma vez eu processo todos vocês! Tá me ouvindo?! – Claro que estou, senhor Luiz.

O meu dia é o senhor Luiz. Ele não sabe sobre cobrança, sobre pagamentos ou qualquer coisa do meu emprego.Também não sabe sobre o contrato que assinou. Ou até da divida de 5 mil reais que ele fez com o banco. Ele não sabe de nada.

– Não me lembro disso, não – Foi o que sua voz rouca e arrastada disse a primeira vez.

O meu dia é o senhor Luiz. Ele é um alcoólatra após as 18, xinga o juiz do futebol, e bate na esposa e os filhos. Ela quer o divórcio mas não tem para onde ir. Seus filhos choram todos os dias. Para ele não tem nada de errado nisso, afinal o homem é que manda na casa. E o que ele tiver vontade de fazer, ele o fará.

– Você não tem interesse em quitar a dívida que fez?

O meu dia é o senhor Luiz. Ele nunca serviu o exército ou teve qualquer treinamento, mas sabe como sair na mão com quem quer que seja. Ele não se deixa ser humilhado fácil. Sua mão cheia de graxa acertaria meu rosto antes deu pensar em desligar o telefone.

– Se você me ligar mais uma vez, só mais uma seu desgraçado. Eu te mato!

O meu dia é o senhor Luiz. Ele não faz ideia que existem outros vários Senhores Luiz por todo meu dia. E que meu corpo cheio de cicatrizes já não doem mais como antes. A morfina eu bebo todo dia de manhã – Um expresso, por favor – O senhor Luiz é um filho da puta.

O meu dia é o senhor Luiz.

O bosque perigoso

Publicado: outubro 5, 2015 por slyfer052 em Contos
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– Tome cuidado ao andar pelo bosque Rebecca, ele é perigoso – Minha mãe sempre alertou sobre o lugar. Por toda minha vida achei que era exagero. Até hoje.

Os galhos das árvores estavam em sua maioria secos e meus passos faziam “crac, crac” ao pisar nas folhas de outono. O sol se punha mas as lâmpadas não iluminavam como ele. O vento batia espalhando as folhas e zunindo em meu ouvido. Puxei minha touca até as orelhas. Estou sozinha. O bosque ligava minha casa à escola. Andei até a metade do caminho onde parei e me iludi por entre as árvores procurando o som que ouvi. Um violão e algumas palmas em ritmo certo e totalmente coerente.

– Que bonito.

O som tomou o bosque e as folhas e árvores ganharam cores mais vivas. Era realmente outono¿ Passei por dois arbustos correndo e pulei um tronco – Achei! – Olhei por cima de uma moita e vi algo incrivel. Em volta de uma fogueira havia um cachorro de terno e gravata, um gato de camiseta xadrez, e uma sabiá tatuada. Atrás deles algumas folhas dançavam alegre e estranhamente. Notei então que as árvores também saboreavam a música dançando mesmo paradas – UAU!

Os animais me viram e o cachorro parou de tocar – … Quem é você?

– Sou a Rebecca. E vocês?

Eles se entreolharam e após balançarem positivamente a cabeça me permitiram sentar com eles. As folhas deram licença enquanto eu colocava meu bumbum junto ao chão de terra fofa. O gato branco esticou se e se prostrou por sobre os tenis verdes. Ligou o celular filmou todos nós. Fiquei com vergonha. O cachorro voltou a cantar e tocar, e o bosque apenas o acompanhou. Nunca vi nada parecido. A sabiá apenas tomava uma garrafa de algo que não cheirava tão bem.

– Nós somos o bosque. O que você faz por aqui?

Eu não entendi, mas balancei minha cabeça concordando – Estava só indo pra casa e ouvi você tocando. Como você faz as folhas dançarem? – Era dificil esconder meu sorriso.

– Eu já disse, somos o bosque.

Ele sorriu mas antes que eu falasse qualquer coisa o gato puxou me para dançar. Ele dançava engraçado, saltitando. A sabiá deu outro gole na bebida. As folhas riam da minha dança, nunca fui boa nisso. – Porque vocês estão festejando?

– Ora, porque sempre festejamos! – Disse o gato ao me passar por baixo de seus braços em uma pirueta. Eu ri.

Eles me contaram que sempre dançavam aquela hora no bosque todos os dias. E prometi voltar lá. Eu não via a hora de contar pra minha mãe então me despedi e voltei para casa correndo. Assim que cheguei levei uma bronca, ela falou que foi perigoso o que fiz, falar com estranhos e essas coisas.

No dia seguinte eu voltei no mesmo lugar – Ei senhor cachorro? Gato? Sabiá?! – Gritei gritei e gritei mas ninguém apareceu. Nenhuma festa nenhuma dança nenhuma música. Todos os dias passei pelo mesmo caminho, todo instante pensava naquele dia alegre. Minhas refeições não eram mais tão boas, as músicas perderam o ritmo, e as pessoas não eram tão legais quanto aqueles três.

Agora entendo o que minha mãe quis dizer sobre o bosque ser perigoso. Você pode se perder por lá…

Raiz

Publicado: fevereiro 15, 2015 por madbaka em Contos

É a felicidade?
Nossa jornada foi curta e dura; e temo que não chegou tão longe quanto poderíamos.
Fiquei aqui, travando batalhas contra minhas convicções que aprendi durante toda minha vida. Arranque essas mentiras, destrua pela raiz. E cada mentira que destruía, você crescia.
Isto é felicidade? E crescia.
Você queria encontrar a última mentira dentro de mim, mas ela era vil, suja e, como sempre a chamava, escorregadia. Sua busca obsessiva por esta última, que me fez pensar se tudo isso valia a pena.Procurei pelas memórias, vidas e só encontrei vestígios das mentiras que tinha destruído.
A busca da felicidade?
O silêncio entre nós cresceu, meu amigo. Tentei justificar tudo aquilo. Valeu a pena destruir tudo que vivi, por serem ilusões? Estou mais feliz agora por finalmente notar que nunca realmente estive feliz, mas agora estou no caminho certo? Existe esse caminho?
Hoje, de onde estou, não posso mais continuar assim. Cada vez mais, me sinto sufocado por você, e único meio disso acabar é: arrancando e destruindo pela raiz…
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Créditos da imagem: João Pucca